“Os comunistas organizaram um Congresso de todos os grupos cristãos no edifício do nosso Parlamento. Ali estavam quatro mil padres, pastores e ministros de todas as denominações. Esses quatro mil padres e pastores escolheram Joseph Stalin como presidente honorário do Congresso. Ao mesmo tempo era presidente do Movimento Mundial dos Ateus e assassinos dos cristãos. Um após outro, bispos e pastores se levantou no nosso Parlamento e declararam que Comunismo e Cristianismo são fundamentalmente a mesma coisa e podiam muito bem coexistir. Um após outro, os ministros ali presentes pronunciaram palavras laudatórias ao Comunismo e asseguraram ao novo governo a lealdade da Igreja. Minha esposa e eu estávamos presentes. Ela, sentada junto a mim, dizia-me: "Ricardo, levanta-te e lava esta vergonha que estão atirando à face de Cristo! Eles estão cuspindo no Seu rosto". Respondi-lhe: ‘Se eu assim proceder, você perderá seu marido". Ela atalhou: "Não quero ter um marido covarde’. Então me levantei e falei ao Congresso, exaltando não aos matadores de cristãos, mas a Cristo e Deus, e afirmei que nossa lealdade é devida em primeiro lugar ao Senhor. Os discursos nesse Congresso estavam sendo irradiados; por todo o país se ouvia a proclamação do Evangelho, feita da tribuna do Parlamento comunista! Depois tive de pagar por isto, mas valeu a pena0”![1]
Esse é o relato do pastor romeno Richard Wurbramd, fundador da Missão A Voz dos Mártires. Na ocasião (1944), a Romênia estava sob ocupação da ex-União Soviética e sofria a imposição política e cultural do Comunismo Stalinista. Quando Wurbramd disse que teria que pagar por isso, ele se referia a todas as atrocidades que teriam que enfrentar por conta do Evangelho. O pastor romeno foi preso, e permaneceu nessa condição por volta de 25 anos. Durante esse período foi espancado e torturado, tendo até mesmo os pés atrofiados como resultado da violência sofrida. A esposa de Wurbramd também foi presa e forçada a trabalho escravo. Mas o que me chama mais a atenção é a expressão final: “valeu a pena”! Como assim? Como pode alguém ser vítima de tamanha crueldade e depois ainda dizer que valeu a pena?
A resposta para esta pergunta está nas Escrituras. Em Filipenses 1.12-26, o texto que trabalhamos na semana passada, Paulo afirma que Deus usa os sofrimentos para que Cristo seja anunciado e exaltado, e que, por fim, nos receberá em Seu Reino sem lágrimas. O texto que nos debruçaremos hoje é Filipenses 1.27-30, a sequência do anterior. Nesse texto Paulo exorta aos Filipenses a proceder de tal forma, diante do sofrimento pelo Evangelho, que Cristo seja exaltado.
A exortação de Paulo em Fl 1.27 é que os crentes filipenses se portassem de forma digna do Evangelho. É curioso que não é a primeira vez que Paulo menciona o Evangelho na carta ao Filipenses. Ele afirmou que: (1) os filipenses cooperavam na causa do Evangelho (1.5); (2) participavam com ele na defesa e confirmação do Evangelho (1.7); (3) os sofrimentos contribuíam para o avanço do Evangelho; (4) havia sido preso para a defesa do Evangelho (1.16).
Perceba a centralidade do Evangelho na vida de Paulo. É por isso então que ele exorta os filipenses: “vivam de forma digna do Evangelho”! Mas, o que isso significa? Veja na continuidade do texto. Viver de forma digna do Evangelho significa que, mesmo diante das aflições:
1- Permanecemos firmes num só espírito;
2- Combatemos juntos com uma só alma pela fé do Evangelho;
3- Em nada estamos atemorizados pelos adversários.
Como? Como se manter firme diante das aflições por conta do Evangelho? Paulo responde em seguida. Ele afirma que o sofrimento pelo Evangelho é visto pelos opositores como expressão de derrota, mas na verdade, é uma evidência de salvação!
Paulo explica melhor. Ele usa uma palavra incrível: “concedido” (ἐχαρίσθη). Essa é a mesma palavra que ele usa em Efésios 2.8, onde diz: “pela graça (χάριτί) sois salvos”. O que Paulo está indicando aqui? Deus, de forma graciosa, nos concede a salvação por meio de Cristo e, da mesma forma, de maneira graciosa, nos concede o sofrimento por Cristo.
Nas palavras de Piper, “Deus determina que o sofrimento de seus embaixadores é um componente essencial no triunfo da propagação das boas-novas entre todos os povos do mundo”.[2]
O que isso significa? No mundo ocidental as liberdades individuais são asseguradas por lei. Entretanto, isso não significa que os verdadeiros cristãos são isentos de aflições por conta da sua fé no Evangelho. O ocidente tem seguido cada vez mais as pautas identitárias da ideologia de esquerda. Assim, cristãos são ridicularizados nas universidades, outros perdem amigos, ainda outros, trabalho. Sim, aqueles que não flexibilizam a sua fé para ser palatável ao status quo são personas non gratas (vide cristãos que têm se posicionado contra o aborto, homossexualismo, divórcio, feminismo, etc). Talvez você mesmo esteja passando por uma situação de dificuldade por conta de seu posicionamento firmemente bíblico.
Diante dos desafios que o mundo ocidental apresenta para os verdadeiros cristãos, somos estimulados a viver de forma digna do Evangelho; i, é, permanecer firmes, unidos e com coragem.
Essa maneira de viver digna do Evangelho só é possível com o entendimento de que o sofrimento pelo Evangelho faz parte da manifestação da graça de Deus para com os salvos, ao conduzi-los a apontar para Cristo.
Em outras palavras, o sofrimento pelo Evangelho é um privilégio dado a mim e a você, pela graça de Deus, a fim de que apontemos para Cristo. No fim, pela mesma graça que nos conduziu ao sofrimento e em meio ao sofrimento, diremos: Valeu a pena!
Pr. Nelson Galvão
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