O garçom vem trazendo uma bandeja com as mais apetitosas e atraentes iguarias. Parecem realmente saborosas, nutritivas, e o melhor: não engordam. Elas não custam nada, são uma cortesia da casa. Sei que me satisfariam totalmente. E eu estou faminta. O garçom para à minha frente e oferece:
– Aceita uma porção da graça de Deus?
Eu recuso, dizendo:
– Não, obrigada. Vou me abster. Prefiro estas raízes amargas e venenosas aqui.
* * *
Essa ilustração me ocorreu ao meditar no seguinte versículo de Hebreus:
“Cuidado para que ninguém se abstenha da graça de Deus. Que nenhuma raiz de amargura, brotando, vos perturbe e muitos sejam contaminados por meio dela” (Hb 12.15).
Por que alguém trocaria a maravilhosa graça de Deus por uma raiz que perturba e contamina? Por que alguém escolheria se abster, se excluir ou se privar da graça de Deus?
Mas podemos estar fazendo exatamente isso! Quando permitimos que uma raiz de amargura brote, estamos nos afastando e deixando de experimentar a graça do Senhor. Quão sério isso lhe parece?
De minha parte, preciso muito refletir sobre a amargura. Preciso saber o que a Bíblia diz sobre ela e como lançá-la fora (Ef 4.31). Porque, como uma erva daninha, ela pode brotar tão facilmente no solo do meu coração! Se não tomar cuidado, ela espalha suas raízes, cresce e produz frutos amargos. No início, pode estar escondida sob a superfície; mas, se brotar, inevitavelmente aparecerá em minhas atitudes e produzirá efeitos danosos. Com que facilidade me torno a “mulher briguenta e amargurada” de que fala Provérbios 21.19. Melhor é viver no deserto do que com ela!
A amargura pode nascer de uma semente de mágoa contra outra(s) pessoa(s). Pode surgir do fato de eu ter sido machucada, ofendida ou simplesmente contrariada. Alguém não atendeu minhas expectativas, não supriu minhas necessidades ou, de forma mais séria, talvez tenha pecado contra mim. Seja qual for o caso, se eu não reagir a isso biblicamente, a semente da amargura estará lançada.
A amargura é uma “atitude ressentida e não perdoadora”. É o “resultado de reagir de maneira inapropriada (não bíblica) a uma ofensa” [1]. Nós conhecemos o remédio bíblico: ignorar as ofensas (Pv 19.11); cobri-las com amor (1Pe 4.8); ir até o irmão que pecou contra você e mostrar-lhe o erro (Mt 18.15); e perdoar como fomos perdoados por Cristo (Ef 4.32). Como vou reagir? Escolho obedecer a Deus ou me abster da sua graça?
O versículo anterior em Hebreus 12 diz: “Procurai viver em paz com todos e em santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hb 12.14). Viver em paz com todos requer lidar com o pecado (meu e dos outros) de maneira bíblica. Viver em santificação, permitindo que Deus trate e purifique meu coração, impedirá que a amargura brote.
O capítulo 12 de Hebreus nos faz pensar em outras possíveis tentações à amargura. Ele retrata a vida cristã como uma corrida (v. 1) e um combate (v. 4). E nós por vezes nos cansamos e ficamos desanimados (v. 3). Diante dos obstáculos da vida cristã, das provações, do cansaço, qual será a minha atitude? Vou me ressentir com as dificuldades, revoltar-me contra os sofrimentos, desanimar com a oposição, ceder no combate contra o pecado? Vou desistir e me tornar uma cristã amarga? Ou vou “firmar as mãos cansadas e os joelhos vacilantes”, como exorta o versículo 12?
O autor de Hebreus também fala sobre a disciplina de Deus. Um longo trecho desse capítulo (vv. 5-11) é dedicado ao tema. Existem duas reações possíveis à disciplina recebida do Senhor: desprezá-la e ficar desanimado (v. 5); ou sujeitar-se a ela (v. 9). Poderia minha amargura ser contra o próprio Deus, ao rejeitar a disciplina que ele exerce sobre mim como Pai amoroso? É possível. Por outro lado, ao aceitar e me submeter à disciplina, colherei um “fruto pacífico de justiça” (v. 11).
Existe um contraste aqui: “fruto pacífico de justiça” – ou uma “colheita de vida justa e de paz” (v. 11, NVT) – me parece o oposto de “raiz venenosa de amargura” (v. 15). Qual desses frutos está sendo cultivado no solo do meu coração? Aquele que depende da graça de Deus ou o que a rejeita?
Quando uma raiz de amargura brota, há dois efeitos inevitáveis. O primeiro é que ela perturba. Tira a paz. Uma pessoa amargurada vive descontente, inquieta e perturbada. Perde a paz dada por Cristo porque está se abstendo da graça.
O segundo efeito é que a raiz de amargura contamina muitos. “Uma pessoa amarga e ressentida é como um veneno contagioso, espalhando seu ressentimento sobre os outros.” [2]. Ela quer companhia em sua miséria; procura ouvintes para suas queixas e aliados em seus julgamentos. Não pode disfarçar o mal que tomou conta de seu coração.
Pior que tudo: “A amargura pode corromper a igreja.”[3]. Por isso é preciso um cuidado coletivo com esse assunto, que se torna visível nesta tradução do texto:
“Cuidem uns dos outros para que nenhum de vocês deixe de experimentar a graça de Deus. Fiquem atentos para que não brote nenhuma raiz venenosa de amargura que cause perturbação, contaminando muitos” (Hb 12.15, NVT, grifos meus).
Como corpo de Cristo, devemos cuidar uns dos outros! Para que não nos afastemos da graça de Deus, não vivamos perturbados, não contaminemos a muitos com o perigoso veneno da amargura. Como fazer isso? Com a graça de Deus, manifesta em Cristo Jesus!
O Salmo 73 conta a experiência de Asafe, que se viu amargurado ao contrastar suas dificuldades com a aparente prosperidade dos ímpios. Até que ele “entrou no santuário de Deus” (v. 17) e elevou seus olhos para o Senhor:
“Quando meu coração estava amargurado e no meu interior me perturbava, eu estava embrutecido e ignorante; era como animal perante ti. Todavia estou sempre contigo; tu me seguras com a mão direita. Tu me guias com teu conselho e depois me recebes com honra. Quem mais eu tenho no céu, senão a ti? E na terra não desejo outra coisa além de ti. Meu corpo e meu coração desfalecem; mas Deus é a fortaleza da minha vida e minha herança para sempre” (Sl 73.21-26).
Da mesma forma, o autor de Hebreus nos exorta: “Portanto, também nós, rodeados de tão grande nuvem de testemunhas, depois de eliminar tudo que nos impede de prosseguir e o pecado que nos assedia, corramos com perseverança a corrida que nos está proposta, fixando os olhos em Jesus, o Autor e Consumador da nossa fé” (Hb 12.1,2). Que o Senhor Jesus nos ajude! Apenas a sua graça pode arrancar do nosso coração as raízes venenosas da amargura e, no lugar delas, produzir o fruto do Espírito (Gl 5.22,23), uma “colheita de vida justa e de paz” (Hb 12.11).
Priscila Michel Porcher
Priscila é esposa do Marzo e mãe do João Victor e da Laila. Membro da Primeira Igreja Batista em Indaiatuba, onde ama servir ao Senhor junto às mulheres e na turma de Juniores. É formada em Letras, trabalha com revisão de Português e escreveu Meninos como você, da Editora Peregrino.
Referências
1. Priolo, Lou. Amargura: a raiz que contamina. São Paulo: Nutra Publicações, 2019, p.7. Esse pequeno livro trata em profundidade do assunto e de sua solução bíblica.
2. Bíblia de Estudo NAA. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2018. Nota de Hebreus 12.15, p. 2275.
3. Bíblia de Estudo Nova Versão Transformadora. São Paulo: Mundo Cristão, 2018. Nota de Hebreus 12.15, p. 2032.
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