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Por qualquer um, mas não de qualquer jeito.


Em abril de 2013, no seu primeiro discurso ante o Comitê da Bíblia do Vaticano, o Papa Francisco afirmou que somente a Igreja é capaz de interpretar corretamente as Escrituras. Citando um texto do Concílio Vaticano II, a Constituição 'Dei Verbum', o pontífice advertiu:


"O Concílio lembrou com grande clareza: tudo o que está relacionado com a maneira de interpretar as Escrituras está, em última análise, sujeito ao julgamento da Igreja, que realiza o seu mandato divino e o ministério de preservar e interpretar a palavra de Deus".


Bem, desde a Reforma Protestante no séc. XVI, a Igreja Protestante vem se posicionando absolutamente contra tal imposição da Igreja Católica. Os reformadores afirmaram em alto e bom som que SIM! Sim, a Palavra de Deus, pode ser interpretada corretamente por qualquer pessoa. Lutero se opôs veementemente contra a tradição eclesiástica medieval e cria que somente a Bíblia pode definir os dogmas. Em 1521, diante da Dieta de Worms, convocada pelo imperador alemão Carlos V, Lutero se recusou a retratar-se e afirmou:


"A menos que eu seja convencido pelas Escrituras e pela razão pura e já que não aceito a autoridade do papa e dos concílios, pois eles se contradizem mutuamente, minha consciência é cativa da Palavra de Deus. Eu não posso e não vou me retratar de nada, pois não é seguro nem certo ir contra a consciência. Deus me ajude. Amém".[1]


Calvino também se posicionou contrário à imposição da Igreja sobre a interpretação da Bíblia. Em suas Institutas ele afirma:


“Entre a maioria, entretanto, tem prevalecido o erro perniciosíssimo de que o valor que assiste à Escritura é apenas até onde os alvitres da Igreja concedem. Como se de fato a eterna e inviolável verdade de Deus se apoiasse no arbítrio dos homens!”[2]


Faltaria aqui espaço para mencionar outros importantes reformadores que também afirmaram veementemente a autoridade máxima das Escrituras em detrimento da imposição hermenêutica da Igreja.


Todavia, a livre interpretação das Escrituras tem sido mal compreendida. É muito comum sermões que absolutamente desconsideram o sentido do texto sagrado, conforme intencionado pelo autor. Assim, a Bíblia é interpretada a partir da criatividade do pregador que assevera ter a liberdade de atribuir às Escrituras o sentido que mais considera conveniente.


Por que as Escrituras precisam de interpretação? Faz-se necessário considerar que as Escrituras possuem uma natureza divina e uma natureza humana (2 Pe 1.19-21). Divina porque é a Palavra de Deus para todos os homens, em todas as épocas e em todos os lugares.


Em relação ao elemento humano das Escrituras, existem enormes desafios para os intérpretes. A parte mais jovem das Escrituras data de 2000 anos atrás. Ela foi escrita em três línguas diferentes, em lugares que a maioria de nós nunca esteve, em uma cultura que o mundo Ocidental desconhece. É por isso que Zuck (2008) e Paul Ricoeur (in Osborne: 2009) chamam essas dificuldades que se colocam diante da tarefa da interpretação de “abismos”[3].


Acredito na possibilidade da transposição dessas distâncias de tempo, lugar, cultura, língua. Contudo, essa tarefa não pode ser feita de qualquer jeito. Ela demanda um extenso estudo espiritual, esforço cuidadoso e profunda dedicação.


É aí que vem um grande problema: nem todas as pessoas estão dispostas a fazer esse estudo! Uns por se acharem incapazes, outros por mera preguiça intelectual, outros ainda, por acreditar que o estudo não é uma tarefa espiritual.


Em todo caso, diante da falta de estudo ao interpretar as Escrituras, têm-se acarretado verdadeiras atrocidades em relação à Palavra de Deus, atribuindo ao texto Sagrado o que este nunca disse.


Alguns erros são muito comuns ao se interpretar as Escrituras. Entre estes estão: alegorização, subjetivização e a espiritualização. Gostaria de me deter especialmente no segundo erro, a subjetivização.


O método de interpretação das Escrituras conhecido como subjetivização foi influenciado pela filosofia existencialista de Martin Heidegger (1889-1976) e desenvolvido pelo teólogo alemão Bultmann (1884-1976), o expoente da Escola de Intepretação conhecido como Nova Hermenêutica.


Embora a maioria das pessoas no Brasil não conheçam esses nomes, muitos têm inadvertidamente usado seus métodos de interpretação.


De acordo com esse método, o sentido do texto sagrado é o seu significado para o leitor de hoje, cidadão do séc. XXI, e não a intenção do autor, ou o que o texto falou aos seus leitores originais. Assim, o que mais se houve é: “esse texto significa isso pra mim”. E se esse significado não estiver de acordo com o significado que outra pessoa atribuiu ao texto, não tem problema, porque o que importa é o que o texto significa para cada um!


Outro dia me encontrei em uma roda de colegas e o líder da reunião propôs a leitura de um texto das Escrituras. A partir da leitura cada um teve a chance de colocar suas impressões a respeito do que foi lido. As interpretações foram das mais variadas possíveis e, ao final, o líder da reunião concluiu: “estou feliz que cada um tenha tirado suas próprias lições do texto”.


O problema desse método é que ele nega a objetividade da verdade, e sujeita o texto à subjetividade da mente criativa do leitor. Para estes, o importante não é a mensagem real do texto, mas o sentido atribuído a ele.


É daí que vem interpretações do tipo: “você que está desempregado, foi rejeitado, foi lançado em um poço da vida, assim como José, saiba que Deus vai te dar vitória”; ou aquela: “Deus vai te dar vitória sobre o gigante da enfermidade, da desunião, da pobreza, assim como David derrotou Golias”.


Diante dessa atitude espúria de interpretação das Escrituras, precisamos afirmar e reafirmar que a Bíblia é a Palavra de Deus escrita para todos os homens, em todas as épocas e em todos os lugares. É exatamente por isso que ela precisa ser estudada com todo o zelo e cuidado.

Esse cuidado refere-se à busca do sentido do texto, buscando a intenção do autor e o que os leitores originais entenderam, por intermédio de um estudo do contexto histórico-gramatical, para então, e somente então, aplicá-lo ao homem moderno.


Esse processo de estudo deve ser cuidadosamente seguido por todos aqueles que pretendem ensinar/pregar as Escrituras; afinal, o chamado do pregador é que este pregue a Palavra (2 Tm 4.2) e não as impressões que ele tenha a respeito.


Esse estudo histórico-gramatical das escrituras deve ser seguido também por todos aqueles que desejam ouvir a voz do Senhor. Sendo assim, conte com a ajuda de irmãos mais experientes nesse processo de ensino/aprendizagem, por meio das pregações, aulas na EBD e pequenos grupos.


Irmãos, qualquer pessoa pode interpretar as Escrituras, mas não de qualquer jeito, porque então não teremos a Palavra de Deus, mas a palavra do homem.


pr. Nelson Galvão


Referências

[1]Bettenson, 2001: 304 [2]Calvino, 1984, Vol I: 82 [3]Ao que parece a denominação “abismos” é inadequada, porque denota intransponibilidade e não é esse o caso. Dessa forma, a sugestão de Osborne (2008) parece ser mais pertinente: “distâncias”.

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