Chegamos ao final da série “Lições do sofrimento de um homem correto”.
A partir da experiência de Jó, vimos que: (1) Uma vida correta não implica em ausência de sofrimentos; (2) O sofrimento é restringido pela soberania de Deus; (3) a adoração a Deus independe das circunstâncias; (4) nem sempre sabemos a razão dos nossos sofrimentos; (5) Deus, em Sua soberania, usa o sofrimento de maneira pedagógica.
A última lição que tiro do sofrimento de Jó é que o sofrimento é um lembrete de nossa humanidade.
Por que essa lição? Nos capítulos 38 a 40 do livro de Jó, Deus revela-se de uma forma muito especial em seu diálogo com o aflito Jó. O Senhor não se detém em justificar Suas ações, mas em lembrar a seu ouvinte a respeito de sua humanidade, em contraste com a divindade do Criador.
Perceba que por duas vezes Deus diz: “Prepara-te como homem” (Jó 38.3; 40.7). Em seguida, o Senhor faz uma série de perguntas que lembraram a Jó de que ele não era Deus, e por isso não tinha todo o conhecimento, nem todo o poder. Destaco aqui especialmente a pergunta que milênios depois é citada pelo apóstolo Paulo em sua carta aos Romanos:
“Quem primeiro deu a mim, para que eu lhe retribua? Tudo o que existe debaixo do céu é meu”. (Jó 41.11; cf. Rm 11.35).
Diante de todas essas perguntas, somos convidados a responder com Jó: “Eu não sou digno; que te responderia? Pelo contrário, tapo a boca com as mãos”. (Jó 40.4). Ao ser confrontado dessa maneira pelo Deus Todo-Poderoso, Jó concluiu:
“Bem sei que tudo podes e que nenhum dos teus planos pode ser impedido. Quem é este que sem conhecimento obscurece o conselho? De fato falei do que não entendia, coisas que me eram maravilhosas demais e eu não compreendia. Ouve-me, e eu falarei; eu te perguntarei, e tu me responderás. Com os ouvidos eu tinha ouvido falar a teu respeito; mas agora os meus olhos te veem. Por isso me desprezo e me arrependo no pó e na cinza.” (Jó 42.2-6).
Perceba que Jó em arrependimento termina mencionando o pó e a cinza. Jó, por fim, lembra-se de sua natureza, lembra-se de onde veio e para onde iria, lembra-se de sua humanidade!
Desde o Édem (Gn 3:5) o ser humano aspira ser Deus. Esse desvario pode ser constatado ao longo da história por intermédio dos antigos faraós egípcios, dos imperadores romanos, de reis absolutistas como Luiz XIV. Esse tinha o título de “Rei sol” e a famosa frase atribuída a ele nos da a dimensão das intenções desse homem: "L'État c'est moi" (O Estado sou eu).
A atualidade prega que tudo é possível pela tecnologia. Existe hoje uma grande fé na melhoria da qualidade de vida por meio das novas tecnologias.[1] As pessoas se sentem auto-suficientes com seus “brinquedinhos eletrônicos”, uma catarse arrogante adolescente, mas em idade adulta. Interessante que à medida que o homem se diviniza, ele se coisifica. Esquecemos com muita facilidade que o séc. XX presenciou duas grandes guerras com proporções jamais vistas, proporções estas possibilitadas pela tecnologia!
Curioso que Jesus fez o caminho contrário da humanidade! Sendo o próprio Deus, se tornou homem como nós (Fl 2), ao ponto de se identificar conosco em nosso sofrimento.
Nas palavras do autor de Hebreus:
“Portanto, visto que temos um grande sumo sacerdote que adentrou os céus, Jesus, o Filho de Deus, apeguemo-nos com toda a firmeza à fé que professamos, pois não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas, mas sim alguém que, como nós, passou por todo tipo de tentação, porém, sem pecado” (Hb 4: 14,15).
Essa identificação nos traz consolo. Existe um Deus. Esse Deus é pessoal e não se trata de alguém distante, alheio às nossas dores e angústias. Ao contrário, trata-se de um Deus que se interessa ao ponto de se fazer como nós, de sofrer, chorar, entristecer-se como nós a fim de que fôssemos libertos de nós mesmos.
Dessa forma, torna-se ainda mais relevante as palavras de Jesus: “E eu estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos” (Mt 28:20).
Aqui encontramos Deus totalmente identificado conosco, em nossos sofrimentos, dizendo: “Eu sei, eu entendo por que já passei por tudo isso. Não fique com medo, eu estou com você”.
Por fim, talvez o gélido suspiro da angústia esteja lhe batendo à porta. É bem provável que sua experiência recente seja de incontáveis e insistentes lágrimas. Minha esperança e oração é que você, assim como eu, possa lembrar-se de sua humanidade, de suas limitações e de que precisa desesperadamente entregar-se aos cuidados ternos do Deus Todo-poderoso, mas também compassivo e misericordioso.
“Irmãos, tenham os profetas que falaram em nome do Senhor como exemplo de paciência diante do sofrimento. Como vocês sabem, nós consideramos felizes aqueles que mostraram perseverança. Vocês ouviram falar sobre a perseverança de Jó e viram o fim que o Senhor lhe proporcionou. O Senhor é cheio de compaixão e misericórdia” (Tg 5:10,11).
Pr. Nelson Galvão
Nota
[1] Esse sentimento não é novo. Ao final do séc. XIX (a chamada era de ouro) também havia uma grande esperança advinda das recém-descobertas como o trem e navio a vapor, as novas vacinas, etc.
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