Se agirmos corretamente, (honestos em nossos negócios, exemplares na família como pais/mães, em nossas amizades íntegros), tudo irá bem conosco, certo? Hmmmm... acho que não!
Por que acho que não? Me permita te apresentar um homem que viveu a noroeste da Arábia Saudita, há muitos anos. Ele era um rico fazendeiro (possuía sete mil ovelhas, três mil camelos, quinhentas juntas de bois, e quinhentas jumentas). Ele tinha tanta gente trabalhando pra ele que isso evidenciava que ele era o mais rico de todo o oriente. Sua família era composta por esposa, sete filhos e três filhas!
Talvez pensemos: “Um homem como esse deveria viver uma vida dissoluta, escrava dos prazeres, e ausente de qualquer princípio moral”.
Ao contrário! O próprio Deus disse que ele era um homem íntegro, reto e temente a Deus e que se desviava do mal.
Muito bem, diante dessa descrição talvez pensemos: “Esse homem tinha tudo o que queria e ainda era correto. Logo, não teve sofrimentos”. É aí que não dá para fazermos essa correlação. Uma vida correta não implica em ausência de sofrimentos.
O nosso homem rico do oriente repentinamente perdeu os seus bens, viu a morte de todos os seus filhos, sofreu o abandono da sua esposa, foi acometido de uma doença terrível, sofreu a acusação por parte de amigos e, por fim, desejou a morte.
Você já deve ter percebido que estou falando de Jó. A experiência desse homem está descrita no Antigo Testamento e é um dos relatos mais incríveis de toda a Bíblia.
Iremos através de uma série de artigos visitar o registro da experiência de sofrimento de Jó e ver o que este livro ensina ainda hoje. Afinal, a experiência de profunda angústia e seus decorrentes questionamentos é de experiência comum de todo ser-humano. Nas palavras de C.S. Lewis: "Tente excluir a possibilidade de sofrimento que a ordem da natureza e a existência do livre-arbítrio envolvem, e você descobrirá que excluiu a própria vida."
A primeira lição que podemos apreender de Jó é a que já mencionei: Uma vida correta não implica em ausência de sofrimentos.
Vivemos sob os auspícios de uma cultura meritocrática. Somos educados desde a infância a pensar que atitudes corretas e o esforço devem ser premiados. Esse pensamento nos faz acreditar que o comportamento de acordo com as regras e o sucesso andam juntos. É claro que isso é verdade no que tange a coisas como o trabalho, os estudos, etc. Entretanto, isso não compreende toda a existência, certo? Não obstante, temos a tendência de pensar que coisas boas sempre acontecem a pessoas boas e coisas ruins sempre acometem a pessoas ruins.
Na teologia esse pensamento absorveu uma roupagem religiosa e o resultado é que muita gente pensa que as coisas boas que lhe acontecem advêm de Deus, como prêmio por boas atitudes e, por outro lado, as coisas ruins são um flagelo, oriundo do próprio Deus, ou do Diabo, como castigo pelo fracasso moral.
Esse é o pensamento de Elifaz, Bildade e Zofar, amigos de Jó. Acusaram-no de ter pecado, caso contrário não estaria vivenciando tais agruras. Esse é o pensamento também dos discípulos de Jesus que lhe fizeram a pergunta a respeito do cego: “Mestre, quem pecou: este homem ou seus pais, para que ele nascesse cego?” (Jo 9:2).
Entretanto, o testemunho bíblico é claro em dizer que nem sempre coisas boas acontecem a pessoas corretas. É certo que a maior parte dos sofrimentos dos quais somos acometidos são consequências de nossos próprios erros. Todavia, existem aqueles que não são consequência direta de nossas más atitudes.
Essa verdade tem duas implicações. A primeira está relacionada a nós mesmos. Em muitas ocasiões somos implacáveis conosco mesmos achando que os nossos sofrimentos são advindos de um suposto castigo divino. Dessa forma nos tornamos auto-penitentes, e nos resignamos em relação às aflições. Fazendo assim, na prática, rejeitamos a Cristo e desprezamos o Seu sacrifício na cruz por nós.
A segunda implicação é que temos a tendência de ser implacáveis com o sofrimento do outro. Rapidamente montamos um tribunal, julgamos o réu e o condenamos a sofrer moribundo as consequências de seu pecado nefasto!
Isso me faz lembrar da ocasião narrada por Lucas, em que o apóstolo Paulo naufragou na ilha de Malta e uma serpente se lhe apegou ao braço. O pensamento dos nativos foi: “Certamente este homem é assassino, pois, tendo escapado do mar, a Justiça não lhe permite viver” (At 28:4).
Que o Senhor em Sua infinita bondade e misericórdia, nos ensine a lidar com o sofrimento de maneira mais sábia, e mais misericordiosa, especialmente quando se trata do sofrimento do outro.
pr. Nelson Galvão
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